Uma história para cada dia do ano: Raquel e Tiago (entrevista)

Eles são como água e vinho, mas têm algo em comum: são os dois “boa boca”, gostam de explorar o mundo e têm sempre muitas histórias para contar. Hoje conversamos com a Raquel Morgado e com o Tiago Pinto, o casal que viu frustrada a sua primeira tentativa de uma volta ao mundo

Nome: Raquel Morgado e Tiago Pinto

Profissão: Técnica de Radiologia e Engenheiro Civil

Data de nascimento: 1985, 1988

Local de nascimento: Aveiro, Guimarães

Local de residência: Lisboa

Próximas viagens: Islândia

Blog: 365 dias no mundo

1. O que significam as viagens para vocês?

Viajar é uma forma de estar na vida, de aprender mais sobre o mundo, de lidar com outras culturas, ouvir histórias, experimentar gastronomia e dançar outros ritmos. Viajar é viver muitas vidas, crescer, aprender história e geografia, ser poliglota e aprender uma espécie de língua gestual, é cometer erros, às vezes invadir o espaço do outro e perceber que se está a errar, é apropriação cultural, é guardar segredo sobre uma praia secreta para que não seja invadida e se mantenha assim por mais algum tempo. É algo muito difícil de explicar, faz parte da nossa vida.

Um clássico das Galápagos.

2. Entre os destinos que já visitaram, há algum que os tenha marcado de forma especial? Contem-nos.

Galápagos. Sabemos o que lemos nos livros, a história da viagem de Darwin, as fotografias das iguanas e das tartarugas gigantes. Mas estar lá é diferente: magnífico, único, incomparável e obrigatório.

Para quem tem uma consciência ambiental, é um local que provoca sentimentos contraditórios. É um destino caro, com muitas taxas, supostamente para limitar o turismo e reduzir o impacto humano. Mas estas apenas criam uma separação entre quem pode pagar e quem não pode, separação que nem sequer é justa. A pegada de quem tem maior capacidade financeira, normalmente, é mais pesada do que a das pessoas com menos meios.

Existe também uma obrigação para que todos os negócios sejam de nacionais, pesando mais este critério do que a qualidade do serviço. Os barcos são poluentes, ruidosos, e em algumas companhias, particularmente em transfers, vão acima da lotação legal e sem coletes salva-vidas para todos. Os alojamentos, especialmente no segmento mais económico, são fracos. Coexistem, ao mesmo preço, excelentes e péssimos serviços, seja num restaurante, seja num tour de snorkeling. Os almoços em tours são servidos em louça descartável; vi leões marinhos a brincarem com uma colher que serviu ceviche.

Mas ainda temos a natureza, os vulcões, os animais numa proximidade e confiança com o homem única. Aí tudo vale a pena: o dinheiro que se gastou, as horas à espera do voo, o serviço menos bom. E, ingenuamente, continuamos a acreditar que um dia as pessoas serão forçadas a viajarem com uma pegada ambiental muito mais reduzida.

3. O que mais vos influencia na hora de escolher um destino de viagem?

Lemos muito. Blogs de viagens, guias turísticos, livros, revistas. Vemos documentários e vídeos online, não escapamos às fotografias das redes sociais e ouvimos podcasts de viagem. O fator financeiro também tem um grande peso na decisão.

Geralmente, há algo especial que nos atrai no destino, seja um facto histórico, uma paisagem, um monumento, ou mesmo um evento. Também temos uma lista de sítios mais inacessíveis, que queremos visitar pelo menos uma vez na vida. Vamos tentando fazer uma dessas viagens regularmente, por ordem de preferência dos dois.

Nem sempre a decisão é pacífica: um de nós não concorda com a política do país, o outro considera a alternativa demasiado cara, etc, etc. Resumidamente, a expetativa sobre as experiências que contamos ter pesa mais do que o resto. Por exemplo, o objetivo não é ir a Machu Picchu, é fazer o Inka Jungle Trek para chegar lá. Não é apenas visitar a sala de ópera de Viena, é assistir a uma ópera.

A beleza das montanhas em Torre del Paine, no Chile.

4. Já viveram fora de Portugal mais que seis meses? Se sim, onde e o que retiraram dessa experiência?

A Raquel viveu até aos 6 anos na Suíça e o Tiago fez Erasmus na Dinamarca. Mas, sem dúvida, foi Luanda que nos marcou como emigrantes, onde vivemos quase 5 anos.

Para a Raquel começou por ser um destino de férias, para conhecer família e saber mais sobre a história do pai. Mas viver lá é diferente, Angola tem uma vivência especial, muito diferente de Portugal, apesar da semelhança linguística e da forte influência colonial. A música tem um impacto muito forte, a dança faz parte do dia-a-dia.

A forma como se vive e sobrevive (o trânsito, a distância aos empregos, a vida nos musseques) influencia muito a forma como as pessoas são. A pobreza das funcionárias domésticas e dos vendedores de rua contrasta com os edifícios que restam dos anos 50, vestígios de uma Angola colonial muito desenvolvida. E esses edifícios coloniais contrastam com os reluzentes prédios novos, que ofuscam a pobreza e povoam a marginal.

Temos ainda a Angola mais pura, fora da capital, com natureza por descobrir e potencial para atrair turistas, que contrasta com a ausência de vontade do país em se abrir ao exterior. Ali é possível fazer um turismo quase solitário, “selvagem”, perfeito para quem gosta de viajar ao seu ritmo.

Aprendemos muita coisa sobre a cultura africana, sobre a história de Portugal, os factos que nos “envergonham” (como a escravatura). Aprendemos muito sobre emigração, sobre amizade e sobre a forma como os portugueses se comportam fora do seu país. Aprendemos a ser resilientes, a dar valor a coisas que em Portugal damos como garantidas, como eletricidade e água.

Outra perspetiva das ilhas Galápagos.

5. Expliquem o que é o vosso blog de viagens e a razão da sua existência.

O nosso blog começou por ser um diário de viagem. Largámos os nossos empregos e planeámos um ano de viagem de mochila às costas, com início na América do Sul, passando por sítios turísticos mas também zonas menos frequentadas. Como as viagens terrestres eram muito longas e não sabíamos se íamos ter rede, o blog seria uma forma de amigos e familiares saberem que estávamos bem, sem nos sentirmos na obrigação de responder individualmente às questões de cada um.

Por outro lado, em 2016, na altura em que começámos a organizar a viagem, não havia muita informação sobre gastos. Primeiro, porque é uma informação que se desatualiza rapidamente, depois, porque os portugueses não gostam de falar de dinheiro. Conhecíamos o Alma de Viajante, onde o Filipe fala sobre isso, mas pouco mais. Então, contávamos onde tínhamos estado, o que tinha corrido bem ou mal, as pessoas que tínhamos conhecido, as decisões que tínhamos tomado e quanto tínhamos gasto.

Hoje ainda damos ênfase a informações práticas que ajudem os nossos leitores: horários dos museus, o preço, o dia em que é grátis, aquele cartão que nos faz poupar 50% em transportes.

E depois damos emoção, como nos sentimos nos sítios, as frustrações de quando algo não corre bem (daí resultam as melhores histórias): o drone que avariou duas vezes, o cartão bancário que foi clonado, o autocarro que atolou durante a noite no meio de nenhures e nos empurrou para uma viagem de 36 horas, entre tantas outras aventuras.

6. Como surgiu o nome do blog?

Queríamos um nome que se adaptasse a várias realidades, que pudesse sobreviver a um contratempo no projeto, o que acabou por acontecer (regressámos a Portugal ao fim de 5 meses e não de 12, e acabámos por não dar a volta ao mundo nessa viagem).

365 dias no mundo representa uma atitude: mesmo não viajando todos os dias do ano, estamos no mundo todos os dias. Há sempre algo que nos marca e que podemos contar aos outros, mesmo que seja na nossa cidade.

Hoje viajamos menos, mas continuamos a ter muitas histórias para contar, nomeadamente sobre o nosso país: uma prova de vinhos, um recital de órgão de tubos do século XVIII, um free walking tour, uma aula de culinária, uma visita a uma fábrica.

Amanhecer na Capadócia.

7. Destaquem um dos posts de que mais gostam no vosso blog e expliquem porquê.

Os posts de África, tanto os de Angola como os de São Tomé, porque têm a emoção e a nostalgia de um destino que nos marca. A viagem a São Tomé foi organizada muito rapidamente, para gastar milhas, mas também para servir de incentivo e fresh start após um mês turbulento e desgastante, quando já tínhamos decidido sair de Angola.

Chegar a São Tomé foi brutal; era leve-leve, era África, mas com a leveza que Angola já tinha perdido, ou nunca teve. Foi uma viagem apaixonante que nos marcou e achamos que isso se reflete no texto e nas fotos.

8. Alguma dica para quem pretende começar agora um blog de viagens?

Sejam honestos e escolham bem o nome, porque será a vossa marca. Associem-se à ABVP, conheçam outros bloggers, partilhem experiências sinceras, e sejam diferentes. Esta é a mais difícil de cumprir, encontrar a forma de ser diferente.

9. Que papel desempenham os blogs junto de outras pessoas que gostam de viajar?

Os blogs são um forte influenciador na escolha do destino e do tipo de viagem. São mais acessíveis que um guia da Lonely Planet, dão-nos a experiência pessoal de alguém e, para viajantes mais preguiçosos, até dão roteiros completos. Dão descontos em seguros, cartões de crédito e, acima de tudo, conselhos grátis.

E mostram que é possível. Aqueles medos e dúvidas que existem num viajante, um blogger mostra que é possível ultrapassar. Viajar sem dinheiro, largar tudo para viajar, chegar a certo destino, trocar estadia por trabalho, manter um casamento/relação durante uma viagem.

10. Qual é o vosso maior sonho por cumprir?

Voltar à estrada com a mochila, agora que nos conhecemos melhor e que já sabemos o que gostamos e detestamos em viagens longas. Conhecer mais do mundo, viver mais experiências inesquecíveis.

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Ruthia Portelinha
Ruthia Portelinha

Viajante, mãe babada, chocólatra, amante de livros e museus.
Autora do blog O Berço do Mundo.

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