Que papel têm os blogs de viagem na prevenção do overtourism? Devem, ou não, divulgar destinos genuínos e pouco conhecidos? Vamos refletir sobre esta dicotomia…
Quantas vezes te sentiste aborrecido quando chegaste a uma praia e não tinhas espaço para estender a tua toalha? Quantas vezes te apeteceu regressar mais cedo porque as ruas estão cheias de estrangeiros? Quantas vezes sentiste que o sítio perdeu a sua traça porque os locais foram “absorvidos” pelos turistas?
Não ficarias triste se fosses ao Brasil e só ouvisses Britney Spears, em vez de Bossa Nova? Não te custaria fazer uma viagem tão longa (e por vezes tão cara), por exemplo, para o Japão e, em vez de comeres sushi, a oferta se resumisse a hamburgueres ou pizzas? E se chegasses à Antártida e estivesse a abarrotar de turistas, de Macdonalds, Pizza Huts ou, pior ainda, de arranha-céus?
É certo que o turismo representa uma parte significativa do produto interno bruto nacional. Se retirarmos este setor à economia, muitos países sofreriam radicalmente com isso.
No entanto, como se encontra o ponto de equilíbrio entre fomentar este setor económico, sem deixar que o país sofra com o turismo mórbido? Onde é que se traça a linha e se diz basta de turismo?
Consequências do excesso de turismo
Turismo em excesso torna tudo igual. Quantas vezes já deste por ti a dizer “Isto é parecido com Itália!” ou “Isto faz lembrar o México!”. A essência do genuíno perde-se com as cópias, com os hotéis de luxo estereotipados. Já reparaste que em todos estes hotéis servem comida italiana? Talvez por ser aquela que é mais consensual, é oferta habitual nos destinos com muito turismo.
Até os souvenirs costumam ser idênticos… colares de conchas, ímanes, porta-chaves, miniaturas da atração mais conhecida, chávenas de café ou as clássicas t-shirts do “I went to xxx and all I got was this t-shirt” ou o tradicional “I love NY”.
As ruas estão cheias, não consegues tirar uma foto sem que apareçam pessoas nela, nos restaurantes não há vagas, encontras armadilhas para turistas por todo o lado e sentes que não tens sossego. A isto se chama “poluição humana” ou “barulho visual”.
Os locais deixam de frequentar alguns espaços que eram mais reservados e especiais e gera-se um mau estar entre a comunidade: Veneza ou Palma de Maiorca já se manifestaram para terminar com esta vaga.
O barulho é muito, certas áreas deixam de ser residenciais devido a festas e noitadas. O destino perde a sua traça, quase todos falam inglês, as músicas universalizam os lugares, o genuíno dá lugar ao chique e o clichê rouba a singularidade.
Lembramo-nos de um restaurante em Tóquio, onde nos serviram um prato de peixe, que parecia estar em movimento. O calor fazia com que as lascas de bonito seco se mexessem, causando a ilusão de estar vivo. Chegamos a esfregar os olhos para nos certificarmos que não estávamos a alucinar…
Com o boom de restaurante japoneses no Porto, esta sensação que tivemos do outro lado do mundo, já a temos à porta de casa. Se tivéssemos ido só agora ao Japão, já não teríamos uma experiência tão genuína e diferente de tudo o que conhecíamos.
Nem todas as pessoas se preocupam com o ambiente, com o barulho, com o lixo ou com os outros, de uma maneira geral. Quantas mais pessoas afluírem a um destino, maior é a probabilidade que desrespeitem as regras locais e produzam mais lixo. É claro que não podemos julgar todos os visitantes da mesma forma; a informação gratuita é o melhor antídoto para estes comportamentos.
Se todos nós fizermos a nossa parte, o mundo melhora. Se apanharmos o nosso lixo (e ainda o dos outros), se não fizermos barulho numa zona residencial, se cuidarmos uns dos outros de forma responsável e cívica, conseguimos que o mundo seja um sítio melhor para se viver.
A Organização Mundial do Turismo explica o conceito de overtourism como “o impacto do turismo num destino, ou em partes dele, que influencia excessivamente de maneira negativa a perceção de qualidade de vida dos cidadãos e/ou a qualidade das experiências dos visitantes”.
Vantagens de visitar destinos menos comerciais
Por outro lado, existem destinos cujo turismo é pouco importante ou insignificante para a economia. É o caso de algumas ilhas no Pacífico sul, alguns países em África, na Ásia Central e um ou outro na América do Sul.
Esses são, normalmente, os destinos mais caros e de difícil acesso. São os países que os viajantes mais puritanos, que buscam a aventura na sua essência, procuram. As condições são piores, mas o que têm para oferecer é, na esmagadora maioria das vezes, muito superior ao main stream. Estes destinos permanecem desconhecidos porque não há estruturas hoteleiras de apoio que permitam chegar ao standard de preço e qualidade do viajante de pacote.
Destinos com climas agrestes, instabilidade política ou onde a pobreza é generalizada. Divulgamos estes sítios no nosso blog? Porque não? Não podemos trabalhar todos para a mesma faixa de mercado.
Nós procuramos esses destinos pela sua autenticidade e inocência: muitos locais não sabem o que é um turista. Viajamos para destinos onde o turismo de massas não encaixa, mas antes um conceito de sustentabilidade, de apoio e respeito pela natureza. O nosso público não é o viajante do “tudo incluído”, mas o de mochila às costas que viaja com o mínimo e, ainda assim, não usa metade da roupa que transportou.
A comunicação que fazemos sobre estes destinos afasta, à partida, a maior parte das pessoas, por quererem algo mais confortável. Por isso, acreditamos ser positivo para a economia local, na medida em que o nosso público não vai estragar o destino. Em primeiro lugar, por serem poucos e mais conscientes dos problemas atuais. Mesmo que 1% dos nossos seguidores visite o destino que promovemos, está automaticamente formatado para o turismo sustentável.
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Além disso, a interação com as pessoas é verdadeira; o viajante não é visto como um “naco de filet mignon” pronto para ser devorado, explorado até ao tutano, mas sim brindado com a curiosidade dos locais sem pedirem nada em troca (algo cada vez mais raro).
O que fazer para evitar o turismo de massas?
Muitas vezes nos questionamos sobre este assunto. Por exemplo, a Coreia do Norte (claro está, por outros motivos) limita a entrada de turistas em cada viagem. Outros países limitam o número de entradas anual. Outros ainda, como as Galápagos ou Raja Ampat (Indonésia), exigem o pagamento de uma taxa destinada a preservar reservas naturais. Esta é uma excelente forma de reduzir o turismo, mantendo um número controlado de visitantes.
Outra forma é não ceder às pressões do crescimento que o turismo exige. Na ilha açoriana de São Jorge, mais propriamente na Fajã de Santo Cristo, não havia eletricidade até há pouco tempo. Estão neste momento a passar os cabos, o que facilitará os negócios existentes, mas retira a magia do lugar, apesar de manterem o acesso exclusivo a pé ou de moto-quatro. Por outro lado, o facto de não haver eletricidade afasta os turistas que gostam de viajar com algum conforto.
É importante também que os destinos mantenham a sua cultura, as suas tradições, se mantenham fiéis ao purismo inerente do lugar. Não esperamos que na Ilha de Tanna, em Vanuatu, onde há um vulcão em erupção constante, existam grandes cadeias de hotéis, centros comerciais e restaurantes. É essencial que Tanna se mantenha virgem, se esquive das massas.
Seria horrível estar na boca do vulcão e não ter espaço para tirar uma foto, ao estilo do Taj Mahal ou da Torre Eiffel. O facto de se dormir numa casa de árvore, com as condições mínimas, ajuda a que este destino não seja acessível a todos.
Desafio
Façamos um exercício mental. Imagina-te numa praia de areia branca, água azul, à sombra de uma palmeira. A única coisa que ouves é o som das ondas na areia, os pássaros a cantar e o vento a passar pelas folhas das árvores. Consegues imaginar?
Agora imagina que tens essa praia só para ti, não há ninguém à vista, apenas tu, o mar, o céu, os pássaros e as árvores. Existe sítio melhor para relaxar? Numa espécie de zen tv, não precisas de te esforçar para adormecer. Não ouves ninguém a falar, ninguém a vender comida na praia, ninguém a jogar à bola… estás tu e tu mesmo com esta vista fabulosa, numa praia que não foi “penteada”, que tem folhas e cascas de árvores, aqui e acolá.
Quando te cruzas com alguém, é local, por vezes não fala inglês mas dá o seu melhor para comunicar, é extremamente simpático e convida-te para almoçares com a sua família, free of charge.
Não há supermercados, Zaras ou Ikeas, não há restaurantes chiques ou uma pasta Alfredo confecionada pelo chef famoso. Não há shoppings, farmácias com todos os medicamentos disponíveis (tens de levar de casa), hospitais com profissionais e equipamento de última geração, para isso tens de apanhar um avião.
As escolas funcionam em barracões, as crianças são felizes e brincam com uma bola feita de folhas, em vez de playstations. Ao fim de semana, as famílias conversam no alpendre de casa, vão até à praia, fazem grandes churrascadas, onde podes ser o convidado de honra, riem-se por não conseguirem comunicar. E está tudo “na paz do senhor”!
Os problemas ficam noutro lado. Para nós ficam do outro lado do oceano (e muitas vezes, do mundo). Conseguimos respirar fundo e sentir a pressão a afastar-se dos ombros.
Mas há natureza. Nua e crua. Há vulcões em erupção. Há flores lindas que nascem sem medo nem barreiras. Há surf, snorkel e mergulho em regime de exclusividade, onde só tu e a natureza interagem, sem distrações. Há sorrisos genuínos de pessoas que te cumprimentam sempre, mesmo sem te conhecerem.
Há animais diferentes, que não tinhas visto antes. E estes animais não te receiam, vêm ter contigo para verem o que tu és. Há experiências que levas para sempre no teu coração, que vais partilhar e também que vais guardar como um tesouro valioso.