O mundo de muitas crianças resume-se à sua escola, à sua casa e à sua cidade. E, no entanto, o planeta é o melhor dos professores. Vamos refletir sobre o que a “estrada” pode ensinar acerca deste mundo maravilhoso
Francis Bacon, grande precursor do empirismo, dizia que as viagens são uma parte da educação dos jovens, assim como da experiência dos velhos. Gosto desta filosofia que nos lança no mundo, com o objetivo de aprendermos. Afinal, a instrução mais eficaz é aquela que privilegia a experimentação e não a que se limita a debitar factos.
Felizmente, cada vez mais pais encaram as viagens como parte da formação – pessoal e académica – das crianças. Porque nenhum livro conseguirá igualar um sol que se põe sobre a savana, nenhum tratado de arquitetura nos fará compreender a grandeza das pirâmides do Egito. Pelo contrário, ver as pirâmides de perto dá vida aos textos académicos. Haverá melhor maneira de aprender?
Esta filosofia de viagem é bem antiga. No Renascimento a formação dos artistas incluía, obrigatoriamente, uma viagem a Itália, porque se entendia que a contemplação da beleza criada pelos mestres era tão importante como estudar Retórica, Dialética, Aritmética ou Astronomia.
Não estou com isto a dizer que as crianças devem abandonar a escola, ainda que o movimento de worldschooling vá ganhando adeptos. Quero apenas sublinhar a minha crença pessoal de que viajar é uma forma maravilhosa de ensinar as crianças. Somos do tamanho do que vemos, já dizia o guardador de rebanhos do imaginário pessoano.
Ver os filhos a crescerem como cidadãos do mundo, tolerantes em relação à diferença, confiantes e respeitadores do planeta: linda recompensa para uma mãe ou um pai! Vejamos, com um pouco mais de detalhe, alguns benefícios de viajar com crianças.
#1 Demonstrar a nossa pequenez
Muitas vezes dizemos que o mundo é pequeno e, às vezes, parece-o. Por exemplo, quando ouvimos português na ilha de Lantau, Hong Kong. Ou quando encontramos um colega do secundário que não víamos há mais de uma década junto da catedral de Estrasburgo. Mas a verdade é que o mundo é imenso.
Em viagem percebemos que há muitas formas diferentes de viver, de comer, de pensar. E não é preciso atravessar meio mundo para entender isso. Como diria Flaubert, viajar torna-nos modestos porque vemos quão minúsculo é o lugar que ocupamos no mundo. Essa humildade é uma qualidade que fará dos nossos filhos pessoas mais interessantes.
#2 Criar seres humanos mais tolerantes
Os telejornais mostram o mundo como um lugar perigoso. A avaliar pelas notícias que invadem os nossos lares, sair da nossa zona de conforto poderia ter consequências terríveis.
Mas quando viajamos percebemos que o que nos une é maior do que aquilo que nos separa. Uma mãe indiana ou ameríndia quer o mesmo que uma europeia: criar os seus filhos em paz e liberdade. Ansiar pela felicidade dos nossos é um sentimento universal, independentemente de crenças, religiões e sistemas políticos.
Em contacto com culturas distintas, desenvolvemos sensibilidades e empatia, apreciamos a diferença, desconstruímos ideias feitas. Marc Twain sabia-o quando afirmou que viajar é fatal para o preconceito.
Para além de, potencialmente, tornar as crianças mais tolerantes, viajar pode fazê-las sentirem-se gratas pelas coisas que sempre deram como adquiridas – comida, um teto ou um par de sapatos. Lembro-me da surpresa do meu filho quando, numa aldeia remota da província de Malange, em Angola, as crianças nos pediram bolachas. Um episódio simples que permitiu refletir acerca das privações de muitas crianças da sua idade.
#3 Entender a História
De um ponto de vista estritamente académico, viajar permite apreender detalhes históricos e antropológicos de uma forma divertida. As crianças na escola aprendem sobre civilizações antigas e grandes acontecimentos históricos. Explorar ruínas, museus e galerias (sim, eu sou desses bichos raros que levam os filhos a um museu), aprender sobre conflitos e crises dinásticas é muito mais fácil quando visitamos onde tudo aconteceu.
A História fará mais sentido e ganhará novas cores, se aos factos se acrescentarem conhecimentos sobre a geografia, a gastronomia, os costumes e os estilos de vida das várias culturas no mundo e até mesmo no nosso país. Portugal tem imensos castelos que convidam a uma visita, desculpa perfeita para perceberem a reconquista cristã ou a longa disputa fronteiriça com Espanha.
#4 Contacto com outras línguas
Para além de praticarem inglês, que lhes facilitará a vida um pouco por todo o mundo, viajar vai expor as crianças a vários outros idiomas. Ora, a mera exposição dos cérebros infantis a línguas estrangeiras ajuda-as a desenvolverem competências comunicativas.
Alguns estudos sugerem que mesmo uma exposição limitada a uma segunda língua na infância resulta numa maior retenção fonológica futura. Quantas vezes vi o meu filho a lançar um portunhol enquanto brincava com outras crianças no país vizinho?! E quando a língua é muito diferente, há sempre os gestos e o sorriso, a
mais universal das linguagens.
#5 Estimular a confiança e a autonomia
Durante as viagens, passamos por situações que, provavelmente, não aconteceriam em casa. A experiência em viagem traz-nos algumas ferramentas para resolver imprevistos. Viajar força as pessoas a serem independentes, o que é ainda mais verdade quando viajamos sozinhos, ou sozinhos com os nossos filhos, como é o meu caso.
Esse exemplo molda as crianças. Não é à toa que o meu pequeno explorador já anseia pelo curso de inglês no Reino Unido, que o colégio organiza todos os verões. Passados dois ou três dias numa cidade, ele já domina a rede de metro e, não raras vezes, é ele que me orienta.
Esta vontade de “voar” sozinho é característica das crianças que atravessam regularmente território pouco familiar, do ponto de vista físico e psicológico. Sem dúvida, viajar ensina os miúdos a desenrascarem-se.
#6 Promover o auto-conhecimento
Um dos grandes benefícios de viajar é o que aprendemos sobre nós mesmos. Quando viajamos, percebemos o nosso potencial e as coisas que realmente gostamos de fazer. Talvez isso facilite algumas decisões dos filhos, por exemplo, acerca da profissão que escolherão no futuro.
O tempo passado em viagem também nos permite conhecê-los melhor. Por exemplo, desde pequenino que o meu filho revela alguma resistência a comidas diferentes, de simples frutas a pratos mais complexos. Viajar tem forçado alguma experimentação e diversificado os seus gostos alimentares.
Em suma, “não me diga quão bem-educado você é, diga-me o quanto você viajou”.
Mais do que uma estratégia educativa, viajar com crianças permite criar memórias familiares inesquecíveis. Nós, pais, aprendemos a viajar mais devagar, a observar com mais atenção e com olhos mágicos o que nos rodeia. E todos precisamos de um pouco mais de magia nas nossas vidas.