Sustentabilidade e segurança são conceitos cada vez mais vitais na área das viagens e do turismo. Acredito em bloggers de viagem da ABVP ainda mais conscientes e à altura dos novos desafios. E tu, como pensas agir nesta inevitável mudança de paradigma?
Independentemente da disparidade de opiniões, sempre subjetivas, é inegável que a covid-19 continua a ter um impacto devastador no planeta. Afetou severamente diversas áreas, sobretudo a do turismo, reduzido a números residuais à escala global.
A economia mundial ressente-se pela falha de um dos seus mais fiáveis e robustos motores de desenvolvimento. Já todos perceberam que o futuro tenderá a replicar pouco do passado, exigindo-se uma reinvenção de todos os agentes do setor, antecipando a sua evolução natural.
Pois bem, todas as crises geram oportunidades e esta é perfeita para repensarmos as viagens e o turismo, bem como o nosso papel – de cidadãos e bloggers de viagem – neste elaborado puzzle.
A democratização do turismo trouxe a sua massificação e um desenvolvimento nem sempre sustentável, ao ponto de já haver quem sugira que vai ser uma das maiores pandemias do século, afetando diversas áreas. As crescentes críticas e controvérsias em torno do turismo exigem atenção, ponderação e ação. Se não cuidarmos da sustentabilidade em todos os eixos e intervenientes do processo, é bem possível que tal aconteça.
Governo: cuidará de uma justa coesão do território?
Do nosso e de qualquer Estado, espero que, neste caos global, crie condições para fomentar uma verdadeira coesão do território, não investindo somente, e ainda mais, nas zonas habitualmente favorecidas.
A sustentabilidade do país passa também por dar uma oportunidade, real e com ações concretas, às regiões mais esquecidas e desprotegidas. Que dê motivos e incentivos para que cada vez mais pessoas escolham algumas regiões de baixa densidade para se fixar, mantendo-as vivas, recuperando o seu dinamismo.
Que o interior tenha futuro e que o turismo dê um contributo decisivo. Esta oportunidade única permitirá ainda ajudar a resolver inúmeros dos maiores problemas das grandes cidades, cada vez mais saturadas e descaracterizadas. A coesão do território é fundamental e a ABVP – Associação de Bloggers de Viagem Portugueses tem feito por isso, quando na iniciativa #EuFicoEmPortugal, com milhões de interações nas redes, levou mais de 50 projetos a explorar TODOS os distritos do país, continente e ilhas.
Autarquias: como cativar turismo sem permitir a gentrificação?
Das autarquias espera-se que lutem, com políticas sérias e regras claras, contra uma selvagem gentrificação, sobretudo nas cidades maiores. Que encontrem um saudável equilíbrio entre o bem-estar dos seus residentes e as expectativas do turismo, sem nunca perder a alma, a sua essência. Que é o que atrai os visitantes.
Tal como do poder central, que tenham (boas) ideias estruturantes assentes em ideais como sustentabilidade, educação, cooperação, numa estratégia transversal que cative os diversos atores envolvidos. E que não esqueçam, por um segundo, que a qualidade de vida e felicidade da sua população está acima de tudo, vale mais do que qualquer negócio ou dado estatístico.
Agências de viagens: aceitarão mudar o paradigma do turismo?
As agências de viagens vivem o maior desafio à sua existência, sendo que, queiram ou não, a sua reinvenção exige um caminho que cuide mais da sustentabilidade: até por questões de saúde e segurança, pois os pacotes uniformizados para os destinos da praxe parecem, para já, condenados ao fracasso.
A descoberta e aposta em destinos alternativos parece um caminho mais lógico, adequado e, sobretudo, aconselhável e desejável. As agências têm esse poder de mudar o status quo. Julgo que aquelas que se limitam a vender os massificados pacotes dos operadores turísticos não terão um futuro longo.
Hotelaria e restauração: se sobreviverem ao ‘tsunami’…
Hotéis, restaurantes e empresas de atividades turísticas passam por momentos verdadeiramente dramáticos e TODOS podemos ajudar. Como? Dando qualidade de vida às rotinas do nosso quotidiano e, nem que temporariamente, investir mais nos prazeres que a boa e diversificada oferta nos promete. Os que pudermos, estes são meses essenciais para a sobrevivência de vários projetos. Acredito que quem sobreviver ao tsunami da covid-19 resistirá, no futuro, a tudo.
Viajantes: mais conscientes, exigentes e sustentáveis?
Pesquisas várias indicam que as tendências dos que amam viajar apontam para destinos alternativos, sobretudo para zonas menos povoadas. Há o reforço do desejo por atividades ao ar livre e uma aposta ainda maior em experiências, sobretudo mais autênticas e que promovam maior ligação com os nativos.
Os cuidados com a segurança não abrandarão tão cedo, bem como uma maior consciência com a sustentabilidade e a ética, incluindo relações mais profundas – e justas – com os locais. Todos temos um papel decisivo através das nossas opiniões, mas, particularmente, das nossas ações e opções em viagem. Desde a escolha dos lugares às formas como os visitamos, há inúmeras opções que revelam de que lado da ‘força’ estamos.
Bloggers de viagem: inspirar a transformação através do exemplo?
As crescentes críticas e controvérsias em torno do turismo mundial exigem respostas e transformação, sendo que os bloggers de viagem têm um papel muito importante neste processo. Sendo agentes mobilizadores de vontades, influenciando decisões com a sua inspiração, cabe-nos essa responsabilidade acrescida de estar no lado ‘certo’ da história, defendendo os valores da sustentabilidade, mas igualmente sem esquecer os sociais, ambientais e humanos.
‘Educar’ com bons exemplos, na forma de explorar os destinos e no modo como partilhamos essa informação. Que a inspiração não se fique pelo potencial das regiões que mostramos, mas sobretudo pelos valores que defendemos e praticamos, com respeito acrescido pela ética.
Inspiremos, em gestos simples, a promover uma relação mais justa e saudável entre turistas e residentes, apoiar os negócios locais, tentar evitar a época alta, usar os transportes públicos, alimentação com produtos desses territórios, apostar num maior envolvimento com as culturas autóctones… há imensas coisas que podemos fazer. Não custa e todos agradecemos.
Preferencialmente, não fomentemos o turismo de massas, alicerçado num planeta que se transforma rapidamente num enorme (e monocromático) parque de diversões. Sublinhemos o respeito pelas culturas e sejamos os maiores defensores da sua preservação, do elogio da singularidade da sua identidade. Contribuamos para o desenvolvimento e valorização das pequenas comunidades, de acordo com o que estas pretendam para si próprias. Foquemo-nos mais no ‘outro’ e sejamos ainda mais solidários.
Em jeito de conclusão, desejo que todos cumpramos com o melhor que se espera de nós, para que, o quanto antes, possamos viajar em plena liberdade de escolha, sem restrições logísticas de qualquer espécie e, acima de tudo, em total segurança.
O futuro será menos incógnito se usarmos a capacidade de agirmos, em prol de uma forma mais consciente e ética de explorarmos o planeta. Não desperdicemos esta oportunidade para refletir sobre as viagens e o turismo. Serão sustentáveis em registo de pura diversão sem cuidarmos da educação?